Como é sabido, Sartre tentou várias vezes aproximar-se do cinema. Em 1931, Simone De Beauvoir disse: “Havia um modo de expressão que Sartre colocava quase tão alto como a literatura: o cinema”. Na sua estada no Brasil em 1960, Sartre considerou o cinema mudo como “uma maravilhosa escola de compreensão, hoje desaparecida”. Desde “Les jeux sont faits”, de Jean Delannoy, de 1947, até “Le mur”, de Serge Roullet, de 1967, passando pelo “Os condenados de Altona” de Vittorio de Sica, de 1962, diversos textos de Sartre foram levados para o cinema. Grandes nomes do cinema (como John Huston, Vittorio Gassman, De Sica) estiveram ligados a alguns destes projetos, mas não adiantou, nenhum deles acabou num filme memorável. O amor de Sartre pelo cinema não foi correspondido.
A minha hipótese é que havia como um obstáculo estrutural intransponível entre o pensamento de Sartre e o pensamento cinematográfico. Os filmes sobre seus textos são estáticos, artificiais, travados, como se os personagens fossem meras ilustrações da liberdade-ser, como se nunca ousassem uma genuína libertação-ruptura, uma nadificação por imagens. Os filmes sobre textos sartreanos parecem a exposição estática da ontologia, e seus personagens apenas um meio para ela. Não possuem vida própria. O Ser não se deixa filmar, embora o medíocre diretor de “O muro” assim o tentasse.
Em lugar de arriscar filmar roteiros e peças de Sartre, talvez seria mais promissório pôr em cena alguns dos muitos “filmes” que aparecem dentro de O Ser e o Nada: as aventuras de Pierre ausente de um certo bar parisino, as agonias de um jogador que quer parar de jogar e não consegue, as estratégias de uma mulher que comparece ao primeiro encontro com o homem que a deseja, a vergonha daquele descoberto espiando pelo buraco da fechadura, os amantes que se escondem para sua relação não ser “roubada” pelo olhar alheio, as relações impossíveis entre um sádico e um masoquista, o esforço de certo caminhante por escalar um rochedo íngreme, e as vicissitudes do esquiador que, a través do seu esquiar, toma posse de todo um campo de neve. Filmes todos fascinantes, que mostram até que ponto Sartre preferia pensar por imagens, narrativas que não são meras “ilustrações” de seu pensamento (como os tristes personagens daqueles filmes), mas seu pensamento mesmo em ação. Estes são, de longe, seus melhores roteiros. Descobrindo o que há de mais cinematográfico em O Ser e o Nada talvez se poderão restabelecer as relações profundas de Sartre com o cinema.
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